A exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS e os seus reflexos em relação ao ISS

Conforme amplamente divulgado pela mídia nacional, no último mês de março o “Supremo Tribunal Federal” (STF) voltou a analisar o tema de grande importância para o Direito Tributário e de relevantíssimo impacto tanto para as contas públicas quanto para o faturamento das empresas brasileiras.

Trata-se da famigerada discussão sobre a composição da base de cálculo do “Programa de Integração Social” (PIS) e da “Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social” (COFINS), mais especificamente se elas também incidem sobre o valor “recebido” pela empresa a título de “Impostos sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços” (ICMS).

Isso porque, segundo as Leis regentes, tanto o PIS[1] quanto a COFINS[2] incidem sobre o total das receitas auferidas no mês pela empresa. No entendimento da União (Fazenda Pública), todos os valores recebidos – inclusive de outros tributos -, por ingressarem no patrimônio da pessoa jurídica, seriam passíveis de tributação pelas referidas contribuições. Já para os Contribuintes, somente as importâncias efetivamente recebidas – excluídas aquelas transitórias - poderiam ser utilizadas para o cômputo do tributo.

Tanto a União (Fazenda Pública) como os Contribuintes possuem argumentos fortes, justificando, cada um, o seu posicionamento.

Ao contrário do que se tem sustentado, trata-se de questão muito antiga (há cerca de 20 anos os tribunais têm enfrentado essa discussão), de modo que essa não foi a primeira decisão do STF sobre o tema.

Em agosto de 2006, ao analisar o “Recurso Extraordinário” (RE) n. 240.785/MG, o Ministro Marco Aurélio, relator sorteado, em voto digno de aplausos, acolheu as alegações da empresa “Auto Americano S/A Distribuidor de Peças”, asseverando que o ICMS configura verdadeiro ônus fiscal e não receita ou faturamento. Isso porque, “se alguém fatura ICMS, esse alguém é o Estado e não o vendedor da mercadoria”.

Prosseguindo com o seu raciocínio, o citado Ministro concluiu o voto afirmando o seguinte:

Conforme previsto no preceito constitucional em comento, a base de cálculo é única e diz respeito ao que faturado, ao valor da mercadoria ou do serviço, não englobando, por isso mesmo, parcela diversa. Olvidar os parâmetros próprios ao instituto, que é o faturamento, implica manipulação geradora de insegurança e, mais do que isso, a duplicidade de ônus fiscal a um só título, a cobrança da contribuição sem ingresso efetivo de qualquer valor, a cobrança considerado, isso sim, um desembolso.
Por tais razões, conheço deste recurso extraordinário e o provejo para, reformando o acórdão proferido pela Corte de origem, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação declaratória intentada, assentando que não se inclui na base de cálculo da contribuição, considerado o faturamento, o valor correspondente ao ICMS.[3]

Além do Ministro Marco Aurélio (relator), essa conclusão foi também adotada pela Ministra Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. Posicionaram-se em desfavor dos Contribuintes os Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes.

Apesar do julgamento ter iniciado em 2006, o resultado final só ocorreu no dia 08 de outubro de 2014 por questões regimentais do próprio STF.

A síntese do acórdão foi assim redigida:

TRIBUTO – BASE DE INCIDÊNCIA – CUMULAÇÃO – IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro. COFINS – BASE DE INCIDÊNCIA – FATURAMENTO – ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento.[4]

Ocorre que, segundo o sistema processual vigente à época do julgamento, apesar de configurar um importante precedente judicial (exemplo a ser seguido em casos análogos), o entendimento adotado pelo STF não teve força vinculante, desobrigando a Fazenda Pública a obedecê-lo em relação às outras empresas e aos outros juízes no tocante aos processos analisados.

Por conta disso, a discussão sobre a incidência do PIS e da COFINS sobre o ICMS continuou aberta, fazendo com que milhares de outros Contribuintes entrassem com ações judiciais e recursos objetivando a extensão dos efeitos da referida decisão.

Ante esta situação, ao recepcionar um novo recurso sobre o tema, o RE n. 574.706/PR, de relatoria da Ministra Cármem Lúcia, o STF reconheceu a necessidade de uniformizar o entendimento, colocando uma pá de cal sobre essa discussão e, consequentemente, dando segurança jurídica a toda sociedade.[5]

Nessa ocasião, o tribunal confirmou a decisão proferida no RE n. 240.785/MG, consolidando a tese de que o valor do ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da COFINS. A orientação emanada pelo STF foi assim registrada:

Tema 69 – Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS: O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins.[6]

O tom adotado pelos atuais Ministros no RE n. 574.706/PR foi praticamente o mesmo da sessão de julgamento ocorrida no RE n. 240.785/MG, destacando-se que os valores relacionados ao ICMS não compõem o faturamento das empresas, posto não integrarem o patrimônio do Contribuinte, afigurando-se como verdadeiro “ônus fiscal” e não riqueza obtida com a operação mercantil.

Em outras palavras, o entendimento que prevaleceu foi o de que o ICMS não integra o ativo das empresas, representando mero ingresso de caixa ou trânsito contábil.

Referida posição foi confirmada pelo Vice Procurador da “Procuradoria Geral da República” (PGR), que atuou na demanda como fiscal da lei, asseverando que “o tributo [ICMS] é estranho ao conceito de faturamento”.

Votaram a favor dos Contribuintes a Ministra Cármen Lúcia, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello. Ao revés, posicionaram-se a favor da Fazenda Pública os Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.

Diferentemente da decisão proferida no RE n. 240.785/MG, o acórdão julgado recentemente (RE n. 574.706/PR) tem força vinculante, impondo aos demais juízes e tribunais a observância dessa orientação, de modo a estender os efeitos da decisão a todos as empresas sediadas no Brasil, vedando a tributação do PIS e da COFINS com base no ICMS.

O que muito se discute em relação a esse entendimento é o direito das empresas requererem a compensação dos valores pagos a mais (sob a sistemática da inclusão do ICMS na base de cálculo) nos últimos 5 (cinco) anos.

Apesar das chances de êxito serem altas – possibilitando a compensação desses valores -, é importante destacar que até o momento o STF ainda não esclareceu se a decisão obriga a União Federal (Fazenda Pública) a devolver os valores pagos a mais nos últimos 5 (cinco) anos - efeito retroativo - ou se a ordem só passará a valer para os valores recolhidos a partir do julgamento - efeito prospectivo.

Outro ponto que também demanda discussão, mas cuja probabilidade de êxito para os Contribuintes também é alta, refere-se à exclusão da base de cálculo do PIS e da COFINS dos valores “recebidos” pela empresa a título de “Imposto Sobre Serviço” (ISS).

Atualmente existem várias decisões proferidas pelo “Tribunal Regional Federal da 3ª Região” (TRF3) – tribunal responsável pelas ações ajuizadas no Estado de São Paulo -, beneficiando os Contribuintes.

Nessa toada, tramita perante o STF o RE n. 592.616/RS, de relatoria do Ministro Celso de Mello, que trata especificamente do tema. A expectativa que paira sobre ele é a de que o tribunal uniformize o entendimento a ser aplicado por todos os juízes e tribunais.

Apesar de ainda não ter uma data para o início do julgamento, estima-se que a probabilidade de vitória dos Contribuintes é grande, pois os mesmos argumentos utilizados para excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS se aplicam ao ISS (receita de terceiro, no caso, dos Municípios e não dos Contribuintes).

Assim, a única forma dos empresários se beneficiarem destas decisões, reduzindo a carga tributária e aumentando o lucro das empresas é mediante a propositura de medida judicial, assegurando o direito de excluir não só o ICMS como também o ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS, bem como o direito de compensar os valores pagos a mais nos últimos 5 (cinco) anos.

Artigo elaborado por Fábio Camargo, em 23/05/2017.

[1] Lei n. 10.637/02: Art. 1º A Contribuição para o PIS/Pasep, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
[2] Lei n. 10.833/03: Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os seus respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976. [3] Trecho extraído do voto proferido pelo Ministro Relator Marco Aurélio, no RE n. 240.785/MG, em 24/08/2006.
[4] RE n. 240.785/MG. Tribunal Pleno. Min. Rel. Marco Aurélio. J.: 08/10/2014.
[5] Para tanto, a Ministra Cármem Lúcia reconheceu a “repercussão geral” da matéria no RE n. 574.706/PR, suspendendo a tramitação dos processos em que se discute a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS em todo o país até que o STF julgue o mérito da questão, ocasião em que a decisão vinculará todos os demais juízes. [6] RE n. RE 240.785/MG. Tribunal Pleno. Min. Rel. Marco Aurélio. J.: 08/10/2014.